Como lidar com os interferentes no teste de endotoxinas?
- Cape Cod do Brasil

- 28 de out.
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Atualizado: há 4 dias
É frequente que componentes ou características inerentes de produtos farmacêuticos interfiram no teste de endotoxinas bacterianas (BET). O conhecimento aprofundado da amostra é o caminho mais eficaz para identificar e contornar esses interferentes, garantindo uma validação robusta que simplifique a rotina laboratorial. A seguir, exploraremos os interferentes mais comuns e as estratégias para sua mitigação.
Inibição e exacerbação: os dois tipos de interferência
Os componentes e as características inerentes dos produtos farmacêuticos podem causar dois tipos de interferência no Teste de Endotoxinas Bacterianas (BET): inibição e exacerbação.

Para garantir a confiabilidade dos resultados, as monografias exigem a realização do Teste de Interferentes (também conhecido como Validação). Este ensaio busca confirmar que a reação observada é proveniente unicamente da interação LAL-endotoxina, sem influência do produto.
1. Inibição (a mais preocupante)
A inibição é o tipo de interferência mais crítico. Ela ocorre quando algum componente da amostra "sequestra" a endotoxina adicionada ou impede a formação do coágulo. O resultado é um falso negativo, mesmo com a presença de endotoxina, o que pode levar à liberação equivocada de um produto não conforme.
2. Exacerbação
A exacerbação aumenta artificialmente a sensibilidade do teste, resultando em uma superestimação da endotoxina e, consequentemente, em resultados positivos não provenientes da presença unicamente da endotoxina. Esse comportamento é causado, por exemplo, por componentes da amostra que se ligam ao reagente, mimetizando a ação da endotoxina e levando à coagulação. Embora menos perigoso que a inibição, pois o falso positivo exige uma investigação e impede a liberação imediata, ele impacta diretamente a rotina.
Diluição: a ferramenta mais poderosa contra interferentes
A diluição da amostra em água apirogênica é, sem dúvida, o recurso mais eficaz para superar a interferência dos produtos no Teste de Endotoxinas Bacterianas (BET).

Para determinar o quanto podemos diluir a amostra sem comprometer a sua avaliação, é crucial calcular a Máxima Diluição Válida (MDV), conforme estabelecido pelas Farmacopeias. O cálculo da MDV nos fornece o fator de diluição máximo que pode ser aplicado a uma amostra, considerando o limite de endotoxina aceitável e a sensibilidade do reagente LAL escolhido.
Essa estratégia de mitigação é amplamente reconhecida e recomendada. O Guia 1085 do FDA, por exemplo, descreve a diluição como a principal ferramenta para lidar com interferentes, incentivando o seu uso extensivo na rotina de testes.

Embora a diluição seja a principal ferramenta de mitigação, alguns interferentes exigem tratamentos específicos para a amostra. Este é o caso de amostras biológicas, onde as proteínas podem causar tanto inibição (aglutinando a endotoxina) quanto exacerbação (ativando o LAL). Nesses casos, o aquecimento ou outros métodos são necessários. Um exemplo notório é a heparina, um anticoagulante que é frequentemente contaminado com β-D-glucanos durante sua fabricação. Como os glucanos causam exacerbação por ativarem o LAL, o Guia 1085 do FDA recomenda especificamente o uso de tampões bloqueadores de β-D-glucano nessas amostras para garantir que o teste seja específico para a endotoxina. É vital que todos esses tratamentos, além da diluição, sejam testados e validados para garantir a confiabilidade dos resultados.
O fator pH: garantindo a performance do teste LAL

A performance ideal da reação LAL depende crucialmente do pH da amostra, que deve estar entre 6,0 e 8,0 segundo orientado pelas Farmacopeias. O reagente LAL tem uma leve ação tamponante que pode ajudar em amostras com pH próximo dessa faixa. Quando o pH está fora do ideal, a primeira e melhor ferramenta é a diluição. Use o fator da Máxima Diluição Válida (MDV) para encontrar uma diluição onde o pH da mistura amostra-LAL se adeque (lembrando que essa mistura deve ser descartada após a medição).

Se a diluição for insuficiente, o ajuste deve ser feito com tampões. O Pyrosol é uma solução tamponante com apresentações com e sem indicador de mudança de pH. Caso opte por um tampão fabricado in house, é obrigatório garantir sua apirogenicidade para evitar a contaminação da amostra.
O interferente (1,3)-β-D-glucano
Os (1,3)-β-D-glucanos são polissacarídeos presentes nas paredes celulares de fungos, plantas e algumas bactérias. No contexto do LAL, eles são contaminantes críticos porque ativam a cascata enzimática por uma via alternativa à da endotoxina, levando à formação de gel ou resultados inconsistentes, o que pode ser confundido com contaminação bacteriana. As fontes de contaminação são diversas, mas frequentemente estão ligadas ao processo produtivo, incluindo o uso de filtros de celulose, materiais de origem vegetal (como excipientes), componentes de meio de cultura, ou mesmo a presença de gaze, algodão e papelão. Do ponto de vista clínico, o glucano é um importante marcador de infecções fúngicas, mas no teste de endotoxinas, ele age como um interferente de exacerbação. A mitigação desse problema é direta: utiliza-se um tampão bloqueador de β-D-glucano, como por exemplo, o Glucashield. Este tampão se liga especificamente ao glucano na amostra, impedindo-o de iniciar a cascata enzimática do LAL, garantindo que o reagente atue unicamente sobre a endotoxina bacteriana.

A tecnologia de reagentes recombinantes, que não utilizam componentes de origem animal, oferece uma solução direta para o problema do β-D-glucano. O reagente de cascata recombinante da ACC, o PyroSmart, por exemplo, teve o Fator G (responsável pela ativação via glucano) eliminado de sua composição. Dessa forma, ele se torna um reagente 100% específico para endotoxinas bacterianas, eliminando de forma inerente a interferência por β-D-glucano.
Validação: a etapa crucial na mitigação de interferentes
É neste sentido que o teste de interferentes, ou validação, exigido pelas farmacopeias, se estabelece como a etapa crucial na implementação do Teste de Endotoxinas Bacterianas (BET) para qualquer produto. É neste momento pré-rotina que a equipe deve identificar potenciais interferentes e desenvolver uma metodologia robusta para superá-los, utilizando as diluições, sensibilidades e métodos mais adequados. Para garantir uma rotina laboratorial livre de não-conformidades causadas por interferentes, é fundamental estabelecer margens de segurança. Por exemplo, é crucial evitar diluições que fiquem no limite da Máxima Diluição Válida (MDV) e nunca usar diluições de forma mecânica sem um conhecimento prévio da amostra. Em testes fotométricos, o ideal é buscar uma recuperação de endotoxina que evite os extremos do exigido pela Farmacopeia (50%–200%). O Guia 1085 do FDA endossa a realização de testes preliminares para ajudar a identificar a melhor diluição de validação, especialmente para amostras com alta variabilidade produtiva.
Além dos interferentes inerentes à amostra, vale destacar que acessórios e o ambiente também podem dificultar o teste de endotoxinas. Aprofundaremos o tema da validação em artigos futuros, mas em nosso próximo conteúdo, abordaremos esses demais interferentes comuns que, embora não sejam parte da amostra, podem comprometer seriamente a rotina laboratorial.
Referências:
DAWSON, Michael E. (1,3)-ß-D-Glucan: Biological Properties and Implications for LAL Testing. Massachusetts. Volume 22, nº 2, 2005.
DAWSON, Michael E. Interference with the LAL Test and How to Address It. Massachusetts. Volume 22, nº 3, 2005
UNITED STATES. Food and Drug Administration. Guideline on the Endotoxins Test. Silver Spring, MD, 2012. (FDA Guidance Document No. 1085).


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