O caranguejo que revolucionou a indústria farmacêutica
- Cape Cod do Brasil

- 30 de out.
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Atualizado: há 4 dias
A nossa vida se entrelaça todos os dias com a de um animal que transformou a indústria biomédica: o Limulus polyphemus, o caranguejo-ferradura. Fascinante para a ciência há décadas, ele nos conduz a uma história que une biologia e inovação: a do reagente LAL, utilizado no teste de endotoxinas bacterianas. Vamos percorrer essa trajetória até o presente e seguir adiante, rumo aos reagentes recombinantes, que inauguram um novo capítulo em nome do avanço científico e da preservação da espécie que tanto nos ajudou.
As pesquisas com o caranguejo-ferradura e o desenvolvimento do reagente LAL
Os primeiros estudos com o Limulus polyphemus datam de 1880, quando W. H. Howell, da Universidade Johns Hopkins, investigou a coagulação de seu sangue. Décadas depois, o Dr. Frederik B. Bang deu um passo decisivo: em experimentos realizados durante um verão em Woods Hole, descobriu que bactérias marinhas do gênero Vibrio causavam a coagulação intravascular no Limulus. Anos mais tarde, junto ao Dr. Jack Levin, também da Johns Hopkins, identificou a célula responsável por esse fenômeno, o amebócito, abrindo caminho para a criação do teste LAL.

Levin preparou um extrato de amebócitos que foi utilizado para pesquisas in vitro, e a publicação dessa descoberta chamou a atenção do Bureau of Science do FDA. O órgão viu ali a oportunidade de substituir o método de controle de endotoxinas bacterianas realizado em coelhos (estabelecido em 1912 e incorporado à Farmacopeia dos Estados Unidos, USP, em 1942). Como resultado, em 1971, o FDA, por meio do Bureau of Biologics (BoB), iniciou estudos internos que iam da preparação do novo reagente à realização do teste. Durante esses trabalhos, a necessidade de um controle padrão foi rapidamente notada, o que levou ao início dos estudos com a Escherichia coli como referência para o teste LAL.

Em 1973, o FDA anunciou o registro da primeira diretriz regulamentadora do teste LAL. É neste momento que a história da Associates of Cape Cod (ACC) se une à do reagente LAL: o Dr. Stanley Watson, que havia utilizado o LAL em uma pesquisa no Instituto Oceanográfico de Wood Hole, incorporou a ACC para iniciar a produção e comercialização do reagente. A ACC foi, assim, a primeira fabricante de LAL a obter a licença do FDA. O teste LAL, tal como o conhecemos hoje, apareceu pela primeira vez na USP em sua 20ª edição.
Desde então, muitas pesquisas foram conduzidas para o desenvolvimento de outros métodos além do gel-clot, como os fotométricos quantitativos (turbidimétrico e cromogênico). Esses novos métodos, desenvolvidos por diversos fabricantes e pesquisadores, compõem hoje uma vasta gama de possibilidades para o teste de endotoxinas, e são estabelecidos em todas as farmacopeias internacionais como padrão para detecção e quantificação de endotoxinas bacterianas em produtos farmacêuticos injetáveis.

Presente, passado e futuro: Limulus e os reagentes recombinantes
Após anos de pesquisa e fabricação do reagente LAL, nos tornamos ainda mais conhecedores e íntimos da cascata enzimática que desemboca na coagulação do reagente na presença de endotoxinas bacterianas. Em linhas gerais, o método é baseado em uma cascata de serino-proteases provocada pela presença de endotoxina, cujo resultado é a formação de um coágulo ao final da reação.
O ativador desta cascata é uma pró-enzima (ou zimogênio) chamada Fator C, que funciona como um bioiniciador para desencadear a coagulação. Na natureza, o Fator C é responsável por alertar o Limulus da presença de um patógeno Gram-negativo. Ou seja, quando as células sanguíneas do Limulus (os amebócitos) detectam fragmentos de endotoxinas, elas respondem liberando grânulos que contêm o coagulogênio (um fator de coagulação capaz de iniciar a formação do coágulo). Assim, essas bactérias são presas neste coágulo, sendo impedidas de causar maiores danos ao animal.

Outro fator que pode desencadear a cascata enzimática é o Fator G. No ambiente marinho, fungos e algas são muito conhecidos, e um de seus componentes, o glucano, é capaz de iniciar a cascata de coagulação, assim como a endotoxina. Para quem realiza o teste de endotoxina, essa interferência é amplamente conhecida e pode ser oriunda de diversos processos que façam o produto entrar em contato com celulose (ou outros materiais que contenham β-D-glucanos).
Estudando e conhecendo cada um desses passos da cascata enzimática, a ACC desenvolveu o PyroSmart® Next Gen, um reagente recombinante. Este é um reagente sintético, sem uso de material biológico em sua produção, que, por meio da engenharia biomédica, mimetiza essa cascata. Além disso, a nova formulação exclui a via de ativação pelo Fator G, tornando o reagente recombinante livre de interferência de glucanos.

Este é um belo exemplo de como o futuro se conecta ao passado: toda a trajetória do teste LAL é fruto do esforço de pesquisadores que se dedicaram a deixar um legado. Esse conhecimento hoje nos leva à inovação tecnológica (o reagente recombinante) e à preservação do Limulus, que tanto nos protege e nos auxilia.
Referências:
NOVITSKY, Thomas J. LAL: Discovery and Commercial Development. LAL UPDATE, volume 14, número 2, Junho, 1996.
SANDLE, Tim. Historical Milestones and Industry Drivers in the Development of Recombinant Lysate for Bacterial Endotoxin Testing. American Pharmaceutical Review, páginas 3-6, 2020.

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